RAINHA- Meu caro Hamlet, afasta essa dor tenebrosa e olha com olhar amigo o Rei da Dinamarca. Não fiques para sempre de pálpebras baixadas, procurando o pó do teu nobre pai. Sabes que é assim mesmo, que tudo que vive tem de morrer, e atravessa o mundo para a eternidade.
HAMLET-Sim, madama, é assim mesmo.
RAINHA-Então, por que para ti parece diferente?
HAMLET-Parece madama? Não, é diferente. Eu sei que não "parece". Não são apenas o meu manto negro, boa mãe, nem a roupa tradicional do luto pesado, nem os suspiros atormentados da respiração difícil, nem os rios a correr dos olhos, nem a aparência batida do rosto, e mais todos os modos, o humor, os sinais de tristeza, que possam denotar o que sinto realmente. São aparências, ações em que um homem pode fingir. Mas eu tenho dentro de mim aquilo que ultrapassa tudo o que é apenas ornamento e roupagem da dor.
REI-É belo e honroso em vós, Hamlet, esta sentida homenagem a vosso pai. Mas deveis saber que vosso pai perdeu um pai; e esse pai perdido perdera o seu, e que o sobrevivente, por algum tempo, como dever filial guardara o luto. Mas perseverar em obstinada tristeza é uma espécie de ímpia teimosia, dor sem virilidade, que demonstra revolta contra o céu, coração fraco, espírito impaciente, inteligência simples e inculta. Por que havemos de tomar tanto a peito, na nossa revolta pueril, aquilo que nós sabemos que tem de ser e é tão comum como uma das coisas mais vulgares aos sentidos? Qual! É uma ofensa ao céu, uma ofensa aos mortos, uma ofensa à natureza, um absurdo contra a razão, cujo tema comum é a morte dos pais, e que não se cansa de gritar, desde que houve o primeiro cadáver até o que acaba de morrer: "Tem de ser assim".
(Shakespeare)
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