Ele me abandonou.
Eu com esta barriga de sete meses, caminho pelas ruas, seguro a base do ventre. Penso, logo eu, que sonhava tanto em ter uma família, bem tradicional, com marido e filhos correndo no parque aos domingos. Olhos secos, boca seca, dor no corpo.
A cada atravessar de ruas, olho para os lados para ver se há carros, mas logo meus olhos encontram o horizonte ao fim da rua, ambas direções. Desesperança, tristeza, solidão.
Atravesso.
Me sinto só que dói, que decepa a alma. Estranho, há alguém aqui comigo, mas me sinto só como nunca.
Nem um bom dia, um telefonema de oi, de como está você.
Como está o filho.
Fico pensando em minha mãe, quando me pariu. Disse que estava sozinha no hospital também, embora fosse casada com meu pai. Ele estava em casa, talvez chegando de uma viagem a negócios, deixando-a sozinha. Inconscientemente, talvez. Finalmente encarno a complexidade do sentimento de minha mãe.
Sempre idealizadora, eu sonhava em ter uma família terna. Ele para sempre ao meu lado. Mas se foi, simplesmente. Imaturidade emocional. A única coisa que se dispôs a dizer foi: não estou pronto para ser pai. Para me casar. Para ter uma família.
Agora sinto os olhos antes secos se encherem de água. Subitamente escorrem pela pele. Dizem que o ser humano chora para não explodir. O vento sopra em brisa de outono e as lágrimas esfriam o rosto, como se fosse um bálsamo, uma mão que acaricia.
Fecho os olhos por alguns segundos. Desacelero, olho e não vejo.
Tudo o que sinto é desesperança, descrença, desamparo.
Atravesso, passo a passo, a última rua.
É como se eu não existisse.
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