segunda-feira, 4 de maio de 2009

Virou estrelinha


Passava um menino de uns cinco anos com seu pai defronte ao velório pela manhã, quando o pai disse ao menino: não, ela não vai mais voltar. Sabe, à noite, as estrelas do céu? A vovó virou uma delas, a mais brilhante. A vovó virou uma estrelinha no céu.


O ser humano tem uma maneira muito particular de lidar com a morte, no ocidente, por força do materialismo histórico. Este pensamento foi desenvolvido por Karl Marx, e está fundamentado na observação da realidade a partir do modo de produção. Desta maneira, a história se vincula e se baseia no mundo material dos homens, enquanto produtores de suas condições concretas de vida.


Baseado no mundo material, o apego ao terreno, terrestre, corpóreo, se tornam constantes cotidianas. A pessoa apegada à matéria vive das paixões a ela vinculadas: prazeres momentâneos, apego ao dinheiro, ambições materiais, relacionamentos superficiais e adiante.


No filme Sonhos, de Kurozawa, um dos contos mostra um funeral em uma comunidade do Oriente. Neste, ao invés de um rito de luto, há um rito de alegria, de emancipação. Os orientais tendem a compreender de forma mais branda e evoluída a vida após a morte. Para os xintoístas, hinduístas, budistas e taoístas, a vida não se acaba com o desencarne, apenas muda de face.


Quando compreendemos a vida de forma menos material, tendemos a ver a morte de forma natural. Ao invés da sensação de perda de alguém querido, reina a paz de que a missão fora cumprida, de início de uma vida nova, em outro plano. A estrelinha no céu vai mesmo existir: não de forma estática, como quem para e espera algo, mas de forma dinâmica, como quem não para, quem é e está, quem permanece não apenas em nossos corações, mas muitas vezes passa ao nosso lado, deixando-nos a sensação de que a pessoa está perto, e está mesmo.


O universo é uma entidade dinâmica, a Terra idem, e tudo o que está nela. Tudo tem começo, meio e fim, da forma temporal como compreendemos agora. Considerando que a Terra tem bilhões de anos, o que são 50 nela vividos? Nosso tempo é efêmero perante a eternidade.


E considerando as inúmeras estrelas do nosso céu, inúmeros planetas, galáxias e buracos negros, fica um pensamento. Nossa compreensão da morte é proporcional à nossa compreensão da vida.